O lixo somos nós?

Tento fazer este meu caminho deixando para trás somente as pegadas do meu andar, sabendo que um dia serão apagadas pelo mar que me envolve a Alma, na areia onde as deixei desenhadas.

Muitas vezes quando olho para baixo, tentando adivinhar onde ponho os pés, vejo o lixo que a humanidade vai deixando neste nosso lindo planeta azul. São restos daquilo a que uma vida já pertenceram e que agora de nada servem, nem a quem os usou, muito menos ao olhar de quem passa...

Mas porquê todo este lixo deixado por nós?!

Uma onda pode marcar a nossa vida, mas como em tudo na natureza, transforma-se e nunca morre. Ao dançar-mos com ela, conservamos na nossa Alma sensações de prazer eterno, nascidas de momentos únicos com a mais bela força do Universo: a energia pura que nos alimenta o sorriso que fazemos dia após dia...

Não será esta uma lição que devemos interiorizar?

Tal como uma onda, a nossa passagem nesta vida não devia deixar mais marcas, para além da simples dinâmica da transformação, como a energia do vento em ondas, que assim se transforma em recordações e no nosso alimento espiritual, mental, bem como físico com o bem estar que nos proporciona...
Ora Nós - seres supremos deste mundo (?!?) - somos aqueles que mais deixa para trás a marca dos nossos erros, pois todo o lixo que na praia vou apanhando de há uns bons anos para cá, ali não devia estar.
A areia das praias nasce limpa, sem restos de decks, pacotes de sumo, caixas e pedaços de wax, bocados de shops, garrafas do mais variado tipo e dos mais variados materiais ou restos de fatos de neoprene que já nada nem a ninguém servem...

Tal como a areia, as ondas e as rochas do nosso bonito litoral só às nossas recordações deviam pertencer. Deixemos então nesta nossa existência privilegiada, de quem sabe dançar ao sabor do Cosmos com uma das mais belas forma de energia, essa mesma marca que a Mãe natureza deixa em nós: a recordação de um acto divino, onde a Alma de um ser nasce e renasce vezes sem conta, cada vez que mergulha no mar e desliza numa onda.

Nada mais,

Nada menos,

Sem lixo.


(!) Se por acaso ao vires do mar, com a Alma lavada, encontrares um pacote de sumo vazio, um saco de lixo abandonado ou uma garrafa sem mensagem, trá-la contigo e deita-a no lixo; essa mesma marca que agora já não mais vai pertencer à praia onde costumas surfar...

Cascais, Agosto de 2010

Mais vale tarde que nunca....

Daqui a pouco mais um ano termina e tal como o fim de todos os ciclos representa algo de novo, de um outro ciclo adiante, nesta nossa infindável aventura que é a vida, mas atentos para uma outra realidade: a de caminhar sobre a água, dançando com as ondas e assim acordar para todo um universo de ritmos e formas de energia, a velocidades irreais e de sensações únicas num mundo líquido em constante movimento, onde a arte do domínio reside no facto do quanto humilde tu és, do quanto tu te deixas moldar pela natureza e não o contrário... Por quanto verdadeiramente usufruis desse acto único que é o de deslizar numa onda!

Desenganem-se aqueles cuja técnica transcende o espírito e na verdade só consegue fazer aquilo que quer, de e numa onda, esquecendo-se muitas vezes de escutar o que a natureza tem para dizer, perdendo assim para sempre a oportunidade de conhecer uma sereia e talvez um dia fazer Amor com o mar... nas ondas.

Menos agressividade, mais amizade;

Menos localismo, mais locais para surfar;

Menos "guerras" sem sentido, mais sentido de alegria;

Mais ALOHA!


...são os meus mais sinceros votos para 2011


Cascais, Dezembro de 2010

O que nos move?

O que nos faz percorrer continentes de distância atrás de uma onda perfeita, que só certamente existe no poder da nossa imaginação?

“Fazes quilómetros e quilómetros para ires de encontro a uma onda, mas nunca arranjas tempo para ir visitar o nosso monte no Alentejo...”, diz-me a minha mãe um pouco triste, ao que respondo: “A diferença minha mãe, é que quando arranco de minha casa, com ou sem amigos, à procura de uma onda, pouco ou nada me importa a distancia que terei que percorrer, pois já vou a surfar! O caminho para uma onda faço-o com a Alma, e assim a mente nem se lembra de despertar o corpo para o tempo que irei ter que viver, até ao meu sonho de vida chegar...”.

Então que força é esta que nos empurra, dia após dia, em direcção ao Oceano? Porque é que a seguir a uma surfada frustrante só penso em surfar novamente e a seguir a uma boa surfada assim o penso também?

Será o voo rasante da gaivota num mar liso como um espelho, enquanto assisto o acordar do sol já dentro da água? Ou será o olhar cúmplice do Pedro ao ver-me a simplesmente deslizar numa onda, que ao deixar cruzar o seu sorriso com o meu, fica a certeza de que ele sabe o que se passa dentro de mim bem como de todos nós: aquele momento de felicidade pura que sentimos ao atingirmos este momento de comunhão com a vida e todos os seus quatro elementos. Surfamos o fogo do Sol que nos ilumina e aquece, o Ar que se deixa aquecer e com a sua dança constante cria correntes que por vezes penteiam a nossas ondas em momentos perfeitos, a Terra que lá no fundo dá às ondas a sua forma e corpo, e por ultimo a Água, berço de toda a vida, onde tudo se encontra e a nossa experiência física abraça o espírito, que livre reaprende a voar...

É isto que todos nós sentimos? É esta a verdade que todos nós procuramos? Certamente que para uns sim e para outros não. Mais certo ainda será o talvez...

Penso que acima de tudo, esta vida de surfista traz à nossa existência uma realidade há muito esquecida pela humanidade em geral: a das nossas raízes nómadas e o facto de a nossa origem como espécie ter vindo desta mesma dinâmica de vida e de sobrevivência. Hoje em dia a maioria de nós já não tem que se deslocar muito para conseguir alimento bem como água. Os dias de caça há muito que já lá vão... Os nossos filhos já não têm que nos seguir todos os dias para assim também sobreviverem. Torna-mo-nos sedentários em praticamente todas as nossas acções diárias, indo de um ponto pré-definido a outro, todos os dias, quase sempre de uma forma tão igual.

O surf vem nos alimentar essa fome de viajar e de caçar, obrigando-nos assim ao movimento constante atrás das ondas, voltando-nos a ligar aos ritmos cósmicos da dança das marés orquestrada pela lua, ao sabor do vento produzido pelo toque quente da luz do sol na atmosfera...

Cascais, Outubro de 2010

Caçadores de ondas...

"Quem somos nós, que viajamos por este mundo, sem tempo nem destino, perdidos na vida como uma nuvem se perde a viajar no céu? Que espécie de pessoas somos, a viver esta realidade alternativa àquela a que muitos denominam como modo de vida normal, perdidos em cidades e rotinas que consomem vidas inteiras num fogo alimentado pela prisão da mente e do corpo de uma esmagadora maioria, para dar riqueza e a ilusão de liberdade a uma imensa minoria?

Somos assim tão diferentes dos nómadas que viajavam para caçar e noutras paragens viver um pouco melhor? O que caçamos nós então? A liberdade suprema de estar vivo e viver o sonho em vez de sonhar vive-lo, ou tudo não passa de uma busca incessante para encontrar o aqui e o agora, o momento imediato que vivemos e que tanto nos passa completamente ao lado?

Viajar tem esse efeito, quando te encontras relaxado, sem passado e sem futuro, porque tudo é novo, tudo é a primeira vez que estás a ver. Deixas de pensar e começas a viver tudo de uma forma diferente, sem medos e receios infundados em futuros que não existem, pois hoje irás chegar a um qualquer lugar de onde amanhã irás partir...

E como uma nuvem, deixas fluir a tua vida ao sabor do vento.

Surfar também nos leva a esse estado de graça, onde o momento que vives numa onda é sempre diferente, em constante mutação e temporário. Uma onda é como uma vida vivida em segundos: quando inicias a dança com uma onda, sabes que vai ter um fim e quando fazes uma manobra a chave está na harmonia com que a acabas e inicias a seguinte, pois tudo está ligado e em eterno movimento.

Nasce, cresces e morres numa onda, por isso sempre queremos nascer mais uma outra e outra vez..."


Começo de um capitulo, de um livro que estou a escrever...

O Corpo, a Mente e a Alma...

"Estar desbloqueado é como o surfista que ainda se está a iniciar e ao simplesmente tentar-se por de pé na prancha numa pequena espuma de uma onda, se sente imensamente feliz e como uma criança aprecia a sua nova visão do mundo ou a sensação de total liberdade do simples deslizar do corpo sobre a água. Essa alegria, ou a beleza desse mesmo momento, existiu e para todo o sempre existirá, sendo gradualmente anulada na mente pela nossa (in)capacidade frenética de sempre querer evoluir mais e mais, e mais ainda.
A nossa Alma tudo aprecia de um modo puro e eterno, desde o simples caminhar na areia molhada, depois desta ter feito amor com a espuma do mar, ao toque do nosso Corpo quente com a água fria ou o eternamente sonhado voo da Mente quando surfamos uma onda com o nosso olhar. O Ego é que sempre quer mais. Mais manobras ou manobras mais radicais, mais ondas surfadas ou surfadas em ondas cada vez maiores.
A mente do surfista iniciado, completamente bêbada de tanta informação nova e extremamente dinâmica, como que sofre uma over-dose e é por momentos anulada, permitindo assim a Alma de viver o momento presente do Corpo, via uma Mente desimpedida...

E acredita, muito pouco basta à Alma sentir, para muito viver; pois lá em cima não há distâncias, não há mais nem menos. Há somente o Todo dentro daquilo que muitas vezes nos parece o Nada."

Parte de um capitulo, de um livro que estou a escrever...

Bom dia 2010!

Há oito minutos atrás os primeiros raios de luz deste novo ano, partiram do nosso sol em direcção a este nosso planeta azul. Ao chegarem à nossa atmosfera aquecem as primeiras camadas de ar frio, que com a noite estavam adormecidas. Estas camadas de ar quente vão empurrando as camadas ainda frias formando assim as primeiras correntes térmicas e os primeiros ventos do ano. Com o evoluir da intensidade da luz, as altas pressões vão nascendo e empurrando a superfície dos nossos oceanos em forma de ondulação que aqui iniciam a sua viagem a caminho de uma qualquer costa de um continente, de uma ilha ou de um reef...

Há oito minutos atrás os primeiros raios de luz entram no meu quarto e pela minha janela imagino toda esta viagem astral que a minha alma contempla, levanto-me e dirijo-me para a praia e vejo toda esta energia a chegar aos meus pés, numa das formas mais bonitas que eu posso ver, tocar, sentir e surfar.

Antes de iniciar a remada neste mar frio de inverno, lembro-me de agradecer ao sol esta oferta que recebemos todos os dias... pela primeira vez este ano.